domingo, 11 de janeiro de 2009

Adão

A gente tinha o paraíso e ele me ofereceu uma maçã

Para toda a Eva, existe um Adão. Estou com um pouco de raiva do meu. Como todo bom Adão perdido ao mundo, ele me a maçã. Ingênua apreciadora de maçãs e frutas vermelhas, aceitei. E claro, ele não comeu e eu fui expulsa sozinha.

Todavia, não gosto de ficar brava com ele, e acabo sempre encontrando razões pra perdoar as mancadas que ele dá. Na verdade, Adão nunca pára com mulher nenhuma, ele não consegue se estabelecer e nem ficar sozinho. Depois volta com aquela cara de bobo, aqueles olhos amendoados que parecem comprados, de tão lindos. Ele diz, talvez a gente se fale mais tarde, e eu decido que o melhor é sumir durante um mês ou dois. Quando vai me dar boa noite, me chama de amor. Queria roubar Adão pra mim.

Tenho bastante amor para dar aqui, mesmo que fique andando em círculos, queimando cigarros a noite inteira, e não chegando a lugar nenhum. É tudo sobre isso. Esses relacionamentos que sacrificam dias de vida. Parece que a mão está cheia de areia, e num piscar de olhos, não tem mais nem um grão. Quando Adão colocou seus olhos em cima de mim, ele tinha uma visão bem melhor daquele quadro decadente. Eu estava fora de mim, tentando me machucar todas as noites, tentando achar alguém que acertasse um tiro na minha cabeça, para que eu não sujasse as mãos. Era muita dor, que eu nem sentia mais a vida acontecendo. Tão covarde, sem senso, pura perda de tempo. Não sei se era a maneira que ele olhava para o espelho retrovisor, ou a forma como nem percebia que eu existia. Ele olhava para lindas loiras esbeltas e perfeitamente maquiadas, eu não sei, não sei o que era, só sei que eu o via o tempo todo, e desgraçadamente me encantei.

Deus achou engraçado, então, me mostrar como é viver no Paraíso.

Deus vez isso induzindo Adão a dizer 'hey, você está confusa, não precisa perder seu tempo tentando se adaptar a esse mundo de narizes brancos de pó, e gente fornicando atrás das portas traindo seus próprios princípios. Você é um outro tipo de mulher, um outro nível, só precisa se descobrir, e não é nesse meio que isso vai acontecer.' Mas eu sei que olhando de fora, eu era como qualquer Eva, apenas mulher perdida procurando amor e diversão. Ele olhou fundo nos meus olhos, segurou firme nas minhas mãos, me levou para casa. Foi um longo caminho até lá, de luzes de neon, pingos de chuva no pára-brisa, e uma garrafa de vinho passeando pelas nossas bocas. Eu me sentia livre, espontânea e segura com Adão. Longe de tudo que não interessava, assim que ele segurava em minhas mãos.

Chegando no quarto dele, ele tinha estrelas desenhadas na parede. Disse algumas palavras doces, passou os dedos sobre meus lábios, eu poderia tomar um banho se quisesse, ele só queria ficar deitado, fumando um cigarro, e tomando mais alguma bebida.

“Nós gostamos da vida não gostamos?”

Segurava minha mão contra o peito, enquanto eu me apaixonava. As luzes se apagaram, e no lugar delas, estrelas vermelhas pipocaram o quarto. Meu coração saltava.

“Você está de saco cheio da vida, não está?”

Nos beijamos. Fiquei com medo e saí pela porta de trás, branca como um fantasma, sem saber mais o que era certo ou errado, não sabia direito onde estava, nem se devia chorar. Saí dali apenas desejando uma vida normal. Naquela manhã, reconheci o sabor dos lábios do Adão. Mas, diferente de qualquer Eva, não sei se quero voltar ao Paraíso. Não sei.

Isso, porque eu conheci o inferno de perto. E me acostumei a viver entre os dois. Ou talvez, eu só tenha medo do Paraíso porque sei que Adão está lá.

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